domingo, maio 30

Feira do Livro - 2004

É uma devoção como outra qualquer. Tenho poucas. Para mim é sagrada uma ida à feira do livro que mais não seja por um breve momento. Mesmo umas horas largas são, neste caso, um breve momento. Tenho uma colecção de livros emblemáticos (para mim) comprados, ano a ano, na feira do livro. De vez em quando, na balbúrdia das estantes, descubro um.

Este ano o livro da feira foi "Uma faca nos dentes", de António José Forte (1931/1988), com fotos e desenhos de Aldina, edição da parceria A. M. Pereira. Um livro com toda a obra deste poeta maior do surrealismo português. Com uma "nota inútil" de Herberto Hélder.

O livro estava exposto numa tenda em que se apresentam, em comum, as pequenas editoras. Ali se encontram algumas obras maiores da nossa literatura. Nos fundos da feira sem atendimento pessoal nem cuidados estéticos ou ambientais. Não era de esperar outra coisa. A indústria nem sempre perdoa à criação. A criação que "não vende" é empurrada pela portas dos fundos.

Aqui vos deixo um poema de António José Forte:

Poema

Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada

alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
eu partisse a fumar
o fumo fosse para se ler

alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios

alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar

Sem comentários: