O país está suspenso da comunicação que hoje fará o primeiro-ministro. Há quem garanta que não falará sobre o caso Marcelo, apontando antes para os desafios que o Governo vai enfrentar nos próximos meses. Há quem admita que voltará a desafiar o Presidente da República para, se considera que o executivo pressionou a TVI a afastar Marcelo, tomar as decisões consequentes. E há quem assegure que fará um balanço elogioso do que o Governo já fez e anunciará as linhas do orçamento do Estado para 2005. Mas há coisas de que o primeiro-ministro não falará.
E a primeira delas é sobre a recente cimeira luso-espanhola, cada vez mais designada por cimeira ibérica, em que o primeiro-ministro de Portugal aceitou, pela primeira vez na história destes encontros, ter do outro lado da mesa não só o primeiro-ministro de Espanha, como representantes das autonomias espanholas.
Eu não sei se o primeiro-ministro tem consciência do significado político deste acto. Não sei se não lhe passa pela cabeça que a leitura política da cimeira é que Portugal se coloca, assim, como mais uma das regiões autónomas de Espanha. Eu não sei se ele sabe que nunca no passado, nenhum primeiro-ministro português aceitou participar nestas cimeiras que não tivesse, do outro lado da mesa, apenas e só o primeiro-ministro de Espanha - porque se trata de uma cimeira luso-espanhola e não de uma cimeira Madrid-Portugal e regiões autónomas. E, não sabendo ele, não sei se alguém não lhe terá lembrado os equívocos de aceitar uma cimeira com esta composição.
É talvez por isso que se lêem notícias dando indicações de que o ministro do Ambiente está a negociar, por ajuste directo, o controlo da rede de distribuição de água aos consumidores em Cascais e zonas envolventes. Já parece estranho que, num sector tão sensível como este, a transferência para os privados se faça por ajuste directo. Mas mais estranho ainda é que, do outro lado, o privado que aparece é a Sacyr Vallehermoso. É claro que se apresenta sob as vestes de Somague, que iniciou esse envolvimento quando era uma empresa portuguesa. Mas entretanto a Somague foi vendida aos espanhóis da Sacyr - e o prémio vai ser o Governo entregar-lhe de mão beijada, por ajuste directo, aquela rede de distribuição de água?
Parece mau de mais para ser verdade. Mas verdade, verdade é que um poder fraco faz fraca a forte gente. E um poder forte faz forte a fraca gente. Infelizmente, em Portugal, neste momento, estamos na primeira situação."
Nicolau Santos, in "Expresso on line"
11 Outubro 2004
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